João Lourenço: próximo passado e próximo futuro*

28/9/2018 5:07 PM

Faz agora um ano em que João Lourenço (JL) tomou posse como Presidente da República. Confesso que não eram elevadas as minhas expectativas. Tratava-se do cabeça de lista de um partido que, na minha opinião, foi o grande responsável pelo estado de quase calamidade em que se encontrava o país. De um partido que não teve um comportamento eticamente correcto durante a campanha eleitoral: a imposição de uma Comissão Nacional Eleitoral claramente parcial; o modo pouco transparente como foram seleccionadas as empresas responsáveis pelo tratamento informático do processo eleitoral; o favorecimento dado pela comunicação social pública e o uso e abuso de bens públicos durante a campanha e no período que a antecedeu.

Gostei do discurso de investidura, mas ocorreu-me que o MPLA habituou-nos ao longo de quase toda a sua existência a um comportamento bipolar – diz que vai fazer uma coisa e faz o oposto, ou, na melhor das hipóteses, não o faz.

O primeiro grande mérito de JL foi ter rompido, dentro de certos limites, com tal tradição. Dando mostras de grande coragem – outro grande mérito – foi tomando medidas que surpreenderam e contribuíram para a sua enorme popularidade inicial. Ninguém poderia acusá-lo de estar a agir contra o ex-Presidente ou os interesses do seu partido, pois o que fazia constava do programa apresentado ao eleitorado. Ao mesmo tempo, tais medidas deixaram a oposição paralisada, pois as suas bandeiras mais sonantes passaram a ser erguidas pelo Titular do Poder Executivo.

Entre as medidas de maior alcance estratégico destaco a abertura da comunicação social – outro dos emblemas da oposição e da sociedade em geral. Ela permitiu que a opinião pública tivesse uma noção clara da que hoje se designa por linha de base do início de um projecto, ou seja, do diagnóstico da situação do país. De modo simples, sem recurso a consultorias de elevadíssimo custo, os cidadãos deram-se conta de que o rei ia nú.

O país exaltado pelos bajuladores, pelos dirigentes do partido no poder e governantes e também por aqueles que sem se assumirem como bajuladores defendiam o que sabiam ser indefensável, afinal não existe. A reconstrução das infra-estruturas foi um fracasso e não permitiu a criação de condições para a diversificação da economia.

A percepção deste contexto justificou a actuação de JL nos primeiros tempos, mas também dificultou algumas medidas. A popularidade de JL começou a diminuir com o desencanto gerado por algumas nomeações. Na realidade, o fracasso da reconstrução não aconteceu apenas nas infra-estruturas e no tecido económico. A pobreza em matéria de quadros é assustadora.

Um governante confidenciou-me o seu enorme desconforto ao constatar o nível de pobreza da maioria dos quadros do respectivo sector. Não me surpreendeu. Tal fragilidade explica-se pelo fracasso da política de educação e de formação profissional e pela ausência de mecanismos e instrumentos modernos e adequados de enquadramento e avaliação dos jovens quando atingem o primeiro emprego, tanto no sector público como no privado.

Perante este cenário fazer boas escolhas para nomeações de responsáveis para empresas e serviços públicos é como colher fruta num pomar atacado por pragas e doenças. Nem sempre se tem sorte e o risco de apanhar material atacado é muito grande. Frequentemente alguns frutos até apresentam boa aparência, mas depois de abertos revelam o seu verdadeiro estado.

Se juntarmos a isto a perversão do funcionamento do aparelho e dos comités partidários, ditos de acção ou de especialidade, onde os militantes tinham, na maioria dos casos, como primeiro objectivo se mostrarem para possíveis nomeações, fica mais fácil entender as penosas dificuldades de JL em fazer escolhas acertadas.

Esgotado o período de graça que foi este primeiro ano, e agora sem o importante argumento da bicefalia, colocam-se a JL os grandes desafios da diversificação da economia, que poderá permitir perceber que visão ele tem para o desenvolvimento do país.

Aqui reside, na minha opinião, o seu principal défice.

Daquilo que tem transparecido, as escolhas do Presidente em matéria da produção – as do domínio da macroeconomia são matéria sobre as quais não me atrevo a opinar, embora a solução para a questão cambial pareça estar a resultar – estão inclinadas para opções que sugerem a manutenção do que eu chamo de “modelo da grande dimensão de inspiração soviética”.

Os políticos e governantes angolanos, e mesmo as elites em geral, padecem do mesmo mal que levou os países africanos para a bancarrota nos anos 60 a 80 – a irresistível atracção pelo projecto megalómano, que acaba por gerar a atracção pelo abismo.

Não tenho ouvido do Presidente fazer a apologia das micro, pequenas e médias empresas, que são, em meu entender, as recomendáveis para o estado actual de desenvolvimento das forças produtivas do país, para a criação ampla de postos de trabalho, para o crescimento do empresariado angolano e, o que não é despiciendo, para fazer acontecer a vida nos municípios do interior do país.

Pelo contrário, continuo a ouvir falar de grandes projectos que comportam elevados custos financeiros e políticos. Daí a aposta no PRODESI, um programa que assenta num empresariado que ainda não existe – basta ouvir o que dizem os administradores e gestores dos bancos comerciais sobre a qualidade dos projectos que, salvo algumas excepções, lhes são submetidos para financiamento –, e que, receio bem, falhará como falharam os grandes projectos públicos em todos os sectores.

Com um dos meus mestres em matéria de desenvolvimento aprendi que, nas nossas condições, quanto maior for a dimensão de um projecto, maior será a probabilidade de insucesso, por dificuldades de gestão, pela dependência criada e pela exposição ao desvio e à corrupção.

Espero que a comunicação social também faça a linha de base da situação económica, através de reportagens que mostrem como créditos bonificados a empresários privados foram tão mal geridos como os projectos públicos que custaram quase dois mil milhões de dólares e não conseguiram atenuar a importação de alimentos, com a qual, como o Governador do BNA não se cansa de repetir, são gastos mais de 250 milhões de dólares mensais.

Por isso preocupa-me, em particular, a pouca atenção que o sector agrário tem merecido em termos de recursos. Depois da enorme expectativa provocada pelo discurso de Cachiungo, em Outubro de 2017, o tempo parece ter parado. A preparação da campanha agrícola que se avizinha padece das velhas enfermidades: exiguidade de recursos e atrasos na disponibilização de fundos. O crédito agrícola está praticamente paralisado e não se vislumbram preocupações com o assunto.

Os últimos desenvolvimentos políticos fazem-me acreditar que JL já percebeu que a situação do país é extremamente complexa e preocupante e exigirá medidas excepcionais.

No último Congresso Extraordinário do MPLA fez uma aproximação aos “verdadeiros representantes da sociedade civil” e aos fazedores de opinião, independentemente das posições que defendam. Disse ainda: “Tenhamos sempre presente que não há verdades absolutas e que é da diversidade que nasce a luz e o progresso”.

Foi um passo importante, outros estarão ainda por dar de modo a que o país possa sair do atoleiro em que se encontra. Por isso e para isso JL, apesar das suas falhas e faltas, precisa do apoio de quem é verdadeiramente patriota e deseja uma Angola “boa para se viver”.

P.S. Há duas semanas lancei a João Lourenço o desafio de fazer a revisão da história do MPLA por ser parte incontornável da história de Angola. Ao afirmar, com a melhor das intenções, que Ilídio Machado foi o primeiro Presidente do partido, ele alimentou a confusão, pois o primeiro foi Mário Pinto de Andrade. A confusão poderá começar a desaparecer quando o MPLA tratar o assunto de modo mais sério e admitir que a data da sua fundação não foi 10 de Dezembro de 1956, mas sim algum dia algures no ano de 1959.

*por Fernando Pacheco (publicado originalmente na edição de 21 de Setembro de 2018 do semanário Novo Jornal)

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