Posição Conjunta sobre a Comunicação Social em Angola

30/5/2022 12:05 PM

O quadro legal de Angola estabelece com clareza o compromisso com uma sociedade plural e democrática onde os princípios da liberdade de imprensa e do tratamento imparcial pelas instituições, estão consagrados. Poderiam citar-se múltiplos artigos da Constituição da República de Angola (CRA), da Lei de Imprensa, da Lei dos Partidos Políticos e da Lei Orgânica das Eleições que ilustram esta afirmação. Consideramos suficiente seleccionar os seguintes artigos da CRA que enquadram o que aparece nas outras leis:

● CRA - Artº 17 - parágrafo 4 - “Os partidos políticos têm direito a igualdade de tratamento por parte das entidades que exercem o poder público, direito a um tratamento imparcial da imprensa pública e direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei.”

● CRA - Artº 44 - parágrafo 1, 2 e 3

○ “1. É garantida a liberdade de imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística.

○ 2. O Estado assegura o pluralismo de expressão e garante a diferença de propriedade e a diversidade editorial dos meios de comunicação.

○ 3. O Estado assegura a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão”.

Há, infelizmente, demasiadas evidências de estarmos muito aquém da promessa que nos é dada pelo quadro legislativo e por várias declarações políticas. As nossas organizações entendem que a aplicação das leis exige que, para além da sua existência, se monitore o seu cumprimento e se lute para que todos tenham uma atitude exigente em relação à sua aplicação.

É nesse âmbito que deve ser entendido este nosso apelo para que se rompa com a atitude de complacência em relação à evidente e sistemática parcialidade com que se faz a cobertura jornalística da actividade dos diferentes partidos políticos, das disputas laborais e dos diferentes actores políticos, sociais e outros, da sociedade. Queremos salientar a prática recorrente, principalmente nos Órgãos de Comunicação Social, públicos e intervencionados (aqueles que maiores responsabilidades têm para com os cidadãos) do seguinte:

● O desequilíbrio no tempo de antena dado, em discurso directo, por um lado a membros do Governo e do partido maioritário e, por outro, aos líderes trabalhistas mesmo durante situações de greve), a líderes ou activistas de partidos da oposição, e a outros membros da sociedade;

● A diferença na cobertura das realizações do Governo e do partido que o sustenta, e as realizações dos restantes partidos, sociedade e actores económicos. Noticiários em horário nobre são frequentemente utilizados para mediatizar - quase exclusivamente - a actividade governativa;

● A tendência para realçar a criação de emprego e de combate à pobreza, não dando a devida visibilidade nem tratamento (que poderá e deverá ser feito com contraditório) à gravidade da situação do desemprego, da pobreza, da realidade rural, entre outros.

Apelamos por isso a todos para que passe a ser norma a tomada de posição, e mesmo o protesto, em relação às demonstrações de parcialidade por parte de órgãos que a todos devem servir. A lei não é de cumprimento facultativo. Por isso devemos ser todos intransigentes em relação à sua defesa, mas entender também que o cumprimento da lei é apenas o mínimo que é exigível.

Por isso apelamos, em especial, aos responsáveis dos Órgãos de Comunicação Social públicos e intervencionados, aos responsáveis pelos organismos de tutela da comunicação social e, em última instância, aos líderes políticos, para cultivarem o espírito da lei e da deontologia profissional. Existem também medidas que poderiam contribuir para melhorar a situação como, por exemplo:

● Os órgãos de comunicação públicos passarem a ter conselhos de redacção independentes, profissionais e idóneos, escolhidos na base do mérito e não em função

de nenhum outro tipo de fidelidade para além da que devem à profissão, à verdade e ao serviço público;

● Todos os actores que observarem desvios à lei passarem a ser mais firmes na denúncia e no recurso, se necessário, à acção legal através dos órgãos competentes;

● Os líderes políticos de todos os partidos devem encorajar - pronunciando-se publicamente nesse sentido - o exercício autónomo da actividade jornalística e o contraditório. Deverão também exprimir, no âmbito da campanha eleitoral, as suas ideias sobre como pensam melhorar a qualidade e credibilidade da Comunicação Social pública.

Queremos realçar o enorme potencial que pode ter a Comunicação Social Pública na consolidação da democracia - através da formação de cidadãos informados, conscientes e tolerantes, e da criação de espaços de debate e de análise de ideias. Por outro lado, são evidentes os riscos para a sociedade quando esta é exposta ao papel destrutivo da desinformação, parcialidade e intolerância. As práticas prolongadas e repetidas de desinformação resultam no minar da confiança, indispensável para que as disputas políticas, laborais ou outras, possam ser arbitradas e geridas de forma construtiva, para além do empobrecimento intelectual que resulta para a sociedade.

Embora a exigência de uma Comunicação Social imparcial deva ser um imperativo permanente, num período eleitoral e pré-eleitoral, – onde estão em jogo escolhas que vão determinar a vida de todos e o destino do país – é fundamental que haja transparência, justiça e equilíbrio na cobertura dos eventos, posições e discussões. A Comunicação Social tem de ser um espaço de contraditório (com elevação) que ajude a que os cidadãos façam as suas escolhas de forma livre e informada.

Realçamos os riscos que se colocam à qualidade, integridade e segurança do processo eleitoral - e do processo democrático em geral - se continuar a permissividade em relação à manutenção do actual estado de coisas no domínio da Comunicação Social Pública (CSP).

A isenção da CSP, seguindo a letra e o espírito da lei, é uma condição essencial para que se crie o capital de confiança necessário, importante para a condução das eleições e para a estabilidade e a unidade nacional.

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